domingo, 27 de fevereiro de 2011

Minha primeira história

Bom dia a todos que lerem este blog, que a paz de Deus esteja com vocês, independente de religião, raça, visão política, peso ou aparência física.
Esta é uma história escrita há tempos, em 2008; foi escrita a pedido da professora de Prática de Leitura e Produção de texto e a mesma deveria ter um final surpreendente.
Como queria uma história com elemento de mistério, escolhi o mistral, um vento que sopra na Europa no outono, que caracteriza-se por ser mais frio e muito seco.
Espero que gostem!
Beijos, segue a história.


O Mistral

Meia-noite... Lá fora, o mistral arrancava as folhas das árvores e levava consigo as que já se tinham caído no fim da triste e fria tarde outonal; nada ficava, além das parreiras e grandes olivais que produziam o melhor azeite e vinho de toda Provença, que ganhava ainda mais charme naquela época do ano.
Do lado de dentro do imponente castelo, o duque de Luberon, deitado, de olhos fechados, rememorava dolorosas lembranças, que o barulho do vento tornava ainda mais pesadas; remexia-se em sua cama, que apesar de forrada do mais fino cetim e com quentes cobertores de penas, não provia o repouso necessário.
Pensava em Georgette Lorriane; doía-lhe a consciência quando lembrava-se da esposa, afinal ela morrera por sua culpa; se ele não a tivesse traído, nada disso se teria passado; mas ele, homem galanteador e fraco, deixou-se envolver por Marie-Antonniette, que apesar de meretriz, era a mulher mais bela de Marselle, bem como de toda a região, desde o condado de Nice até o ducado de Moselle.
Recordou-se do passado distante, e logo chegou-lhe a lembrança daquela madrugada em que estava em Barrois com sua amante; o mistral soprava tal como agora;  eles comiam queijo e tomavam vinho, em meio a uma aura de sensualidade provocada pelo clima, bem como pela bebida e pelo corpo macio e perfumado da bela cocotte...
Entretanto, seu servo o tirou da modorra, avisando- o da morte de sua mulher, já há alguns dias; o filho que ela esperava saiu da mãe preto, seco e endurecido, o que comprovava que a moléstia que o vitimara, bem como a Georgette Lorriane, era realmente grave.
Atormentado pela culpa de ter deixado a esposa só, entregou-se ao desespero e à depressão que aos poucos o afastaram da  frívola vida da corte; então, o duque passou a viver encerrado em seu mundo de remorso e tristeza.
A única razão que o impedia de acabar com sua vida era a existência de Chantal, que aos dez anos ficara sem mãe.
O fruto desse casamento, ocorrido por conveniência, já que o duque não amava de fato a esposa, era o retrato vivo de sua genitora: os cabelos negros levemente ondulados, penteados à época, caíam-lhe pelas espáduas graciosamente envoltas pelo decote do vestido cor-de-rosa, cujo corpete, rebordado de pequeninas flores de safira, destacava sua esbeltez e realçava a alvura de sua pele; os olhos amendoados demonstravam um brilho púbere, que contrastava com a sensualidade de seus lábios volumosos, de onde por vezes escapava o riso infante.
Na verdade, após a morte da esposa, o duque passou a dedicar-se somente à menina, chegando a cuidar pessoalmente de sua educação, de modo que, aos dezoito anos, Chantal personificava aquilo que a corte francesa consideraria a perfeição.
Esta tinha tanta semelhança com aquela que lhe deu à luz que por vezes era  confundida com a mesma, quando desavisados que desconheciam sua orfandade adentravam o castelo e viam o retrato de uma bela jovem sorridente logo á entrada.
Essa circunstância devia-se ao fato de sua mãe ter falecido também muito jovem, sem ter ainda as  devastadoras marcas do tempo.
O duque, ao vê-la, regozijava-se por sua sorte e por seu trabalho; porém, a semelhança da jovem com sua falecida esposa perturbava-o; por vezes chegava a sonhar com a esposa, cuja imagem, em seus devaneios noturnos confundia-se com a da filha.
Tomado de inquietação por seus sentimentos impuros e desesperado por conta de sua situação, ordenou que ela fosse transferida para a ala norte do castelo, onde ele se julgava livre de sua incômoda presença.
Mas aquela criatura, que impregnava cada parte comum do castelo com seu doce e suave perfume de rosas,  aquele demônio de saias e corpete,  já fazia parte de si e já habitava o coração daquele homem  modificado pela dor da culpa e do arrependimento, tornando-o ainda mais atormentado pela tentação do pecado.
Tanto que, naquela noite, o duque pensava em Georgette Lorriane, mas ao lembrar-lhe o rosto, este transformou-se na imagem de Chantal; ele, apavorado, tudo fazia para desviar, em vão, seu pensamento.
Até que um torpor invadiu seu corpo, e a febre da paixão tomou conta de tal forma que, quando percebeu, já havia batido à porta de sua filha, que ao abrir assustada com a voz de seu pai, deparou-se com este, que invadindo sua alcova, tomou-a nos braços beijando-lhe os lábios com a avidez do adolescente que acaba de descobrir o amor.
Porém, não tardou que o duque voltasse a si, mais assustado com a reação da filha do que com sua própria loucura.
Na verdade, a filha do duque nada fez para desvencilhar-se de seus braços quando este invadiu seus aposentos; ao contrário, demonstrou a mesma paixão que o pai, no beijo correspondido.
Assolado por um remorso ainda maior que o habitual, tentou correr para a porta; queria sair dali, recobrar a consciência, mas as mãos da mulher que ali estava pesavam como chumbo quando esta o segurou pelo braço.
_Fique, Bernard.
Completamente aterrorizado com a atitude da moça, Bernard permitiu-se conduzir até o leito, sempre olhando para aqueles olhos castanhos e enigmáticos.
Calmamente, ela abriu seu armário, e tirou uma pequena caixa revestida de veludo vermelho e coberto de minúsculas pérolas.
Abrindo-a, retirou um envelope amarelecido pelo tempo onde se lia “À minha filhinha amada”, e o entregou ao pai.
Ainda aturdido, este abriu o envelope e passou á leitura da epístola, observado atentamente pela moça, que enxergava toda a beleza daquele homem, que apesar de seus quarenta anos transbordava  charme, que aliado à sua sisudez, o tornava irresistível.
_Por que me escondeste tudo isso?
_Era preciso, prometi à mamãe...
_E por que não te foste, quando decorrido o prazo?
Que querias? Dinheiro? Não bastava o que já te havia dado durante esses anos, cuidando de ti e de tua educação? Por que ficaste?
_Sabes muito bem que não preciso do teu dinheiro. Mamãe me deixou um patrimônio considerável.
Bernard estava transtornado.
Chantal, apesar de nervosa, não o demonstrava, pois já imaginava que isso aconteceria, embora o medo de perder Bernard sobressaltasse o coração.
_No começo decidi que não viveria mais neste lugar, que tantas dores me causou e que tantas lembranças tristes me despertava, embora pudesse, com isso, denegrir a imagem de mamãe; entretanto, depois, vendo-te tão dedicado, reconheci que tu ficarias muito só se eu me fosse.
_Isso não pode ser!- Ele soluçava.
_Pode, claro que pode; o fato, Bernard, é que estando contigo, acabei acalentando uma paixão tão avassaladora quanto a tua, chegando a recusar os melhores pretendentes de França, que tudo faziam para vencer teu ciúme.
Tentei esquecer esse amor e afogá-lo dentro de mim, mas assim como tu, não consigo mais suportar a tristeza de não te ter junto a mim...-ela chorava, bem como aquele homem que estava diante de si, e a quem há anos entregara a alma.
_Enfim, Bernard, podes negar, mas o fato é que acima de tudo o que ocorreu, está meu amor por ti, que foi o que me prendeu a teu lado. Por favor, não o rejeite, pois é a coisa mais pura que tenho a dar-te e a única verdadeira ante toda a tragédia de nossa vida triste e solitária...
_E o conde de Saint Denis? Conhece o conteúdo desta carta?
_Sim; mamãe lhe escreveu uma semelhante a esta,  contando-lhe tudo.
_E ele?- O remorso do duque havia rapidamente sido substituío pelo desespero.
_ Ele deseja que eu vá para seu castelo.
_E tu? Acaso vais?
_A menos que digas que minha permanência aqui não é de tua vontade e me expulses, nada irá tirar-me de junto de ti... 
E foi após essas palavras que o duque de Luberon entregou-se ao amor daquela mulher, usando a arma da verdade contra todos os preconceituosos de sua época, vivendo feliz com Chantal, com quem conversava diante da lareira, com o mistral do lado de fora, arrastando as folhas e embalando o amor de ambos, que  enxergavam na Provença outonal a mais bela paisagem.



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